Archiving Performance
- 19.06 — 29.06 2019
- Espaço Alkantara
1 junho, 18h – 20h
2 junho, 14h – 20h
Espaço Alkantara
Entrada livre, mediante lotação do espaço
O seminário Archiving Performance procura estabelecer uma longa conversa que, durante três dias, explore as duas direcções existentes no título: (1) a dos modos através dos quais o trabalho artístico de cariz performativo é arquivado ou pode operar como arquivo; (2) a dos modos através dos quais o arquivo “performa”/ conforma / molda / opera ou, também, pode ser (re)animado, actualizado, agilizado ou (des)condicionado pelo trabalho artístico. As possíveis tensões e articulações entre as duas direcções serão investigadas por reflexão colectiva, tendo como pontos de partida projectos e trabalhos artísticos criados e apresentados no contexto português e como acompanhamento textos seminais de Peggy Phelan, Rebecca Schneider, Philip Auslender, André Lepecki, Eleonora Fabião, Shannon Jackson, Gabriele Brandstetter, Paula Caspão, Miriam Van Imschoot e Metchild Widrich.
Este evento é organizado pelo CECC (Centro de Estudos de Comunicação e Cultura da Universidade Católica Portuguesa), em parceria com o Alkantara.
“Histórias de um Amor” de Sofia Dinger
1 junho, 18h
“Acabas agora de fazer oitenta e dois anos. És ainda bela, graciosa e desejável. Faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos e amo-te mais do que nunca. Recentemente reenamorei-me de ti uma vez mais e trago de novo em mim um vazio devorador que só o teu corpo apertado contra o meu apazigua. À noite vejo por vezes a silhueta de um homem que segue um carro funerário, numa estrada vazia e numa paisagem deserta. Esse homem sou eu. O enterro é o teu. Não quero assistir à tua cremação; não quero receber um frasco com as tuas cinzas. Ouço a voz de Kathleen Ferrier que canta: ‘Die Welt ist leer; Ich will nicht leben mehr.’ E acordo. Vigio a tua respiração, a minha mão aflora-te. Cada um de nós gostaria de não sobreviver à morte do outro. Muitas vezes dissemos um ao outro que, no caso impossível de termos uma segunda vida, quereríamos passá-la juntos.”
“Assim terminou André Gorz a sua carta a D. Leio-a junto a um rio de corrente verde, peixes que se multiplicam e aragem quente a passar entre os dedos dos pés. Entro no rio, os peixes picam. Vêm-me aos olhos imagens emprestadas, narrativas intransmissíveis, um pequeno pássaro que quase parte um ramo de árvore. E alguns aviões sincronizados. Vêm-me aos olhos a tua morte e a minha, vêm-me aos olhos como será ver-nos de fora, hoje a água está mais clara e o fundo próximo talvez ajude qualquer coisa a brilhar. Vigio a minha respiração. Não há outra mão nem qualquer flor. Projecto-me no ‘daqui a muitos anos’: como saberei, então, falar desta tarde, deste rio? O que sobreviverá desta carta em mim? Como não perder nunca esta aragem quente, o gancho do cabelo solta-se, esta vida apenas? Como acabar de fazer oitenta e dois anos? E as silhuetas dos homens? A tua morte? A tua morte? Lembro-me de outra frase da carta que acabo de ler: “Para ti, que dando-me Tu, deste-me Eu.” Não sei se entendo. Mas acho tão bonito. Quero sabê-la de cor, não esquecer nunca. Repeti-la-ei até ao sol se pôr. E, então, vem-me aos olhos o rosto comprido de uma grande amiga, tão terno, dizendo: “Partiu-se tudo, mas revelou-se um coração.” E eu nunca hei-de receber um frasco com as tuas cinzas.”
Sofia Dinger
Ficha Técnica/Artística
Concepção e interpretação Sofia Dinger
Luz Daniel Worm
Agradecimentos Ana Dinger, António Moreira Duarte, Clara Dinger, João Ferro Martins, Gonçalo Alegria, Luísa Crick, Tiago Oliveira
Notas Biográfica
Sofia Dinger é licenciada em Teatro da Escola Superior de Teatro e Cinema (Amadora) e completou, em 2018, o programa de mestrado em Teatro na Das Arts (Amesterdão). Tem investido continuamente em formação adicional com pessoas como Rogério de Carvalho, João Fiadeiro, Carlota Lagido, Ângela Schanelec, Olga Mesa, Beatriz Batarda, Vera Mantero, Miguel Loureiro, Thomas Richards, Jonathan Burrows, Kassys… Sofia criou e interpretou Uma canção para ouvir-te chegar (Teatro Municipal Maria Matos, Alkantara Festival, 2018), Grande Ilusão (Temps d’Images, 2014), Nothing’s ever yours to keep (Maria Matos Teatro Municipal, 2011) e Noites Brancas (parceria com Paula Diogo e Mónica Calle para o Festival de Almada, 2013). Enquanto intérprete trabalhou com Mónica Calle, Blitz Theatre Group, Sara Carinhas, Rui Catalão, Teatro do Vestido, Francisco Salgado.. Em cinema, cruzou-se com realizadores como Leonardo Mouramateus, André Lage, Paulo Menezes e Pedro Filipe Marques. Recebeu o Prémio Bernardo Santareno, na categoria de atriz revelação (2011) e uma menção honrosa pela performance na curta-metragem Lullaby (André Lage), na 16ª edição do Festival de Cinema Luso Brasileiro de Santa Maria da Feira. Em 2013, integrou o laboratório Try Angle e em 2015, ingressou no 1Space, projecto entre Portugal, Congo, Palestina e África do Sul no qual conheceu Faustin Linyekula, Jozef Wouters , Tony Chakar… São tantas as pessoas. Anda às voltas pelo mundo.
Performance seguida de conversa com artista e Paula Caspão
Archiving performance, performing the archive, conversa com Vânia Rovisco
2 junho, 14h
Nesta sessão convidamos Vânia Rovisco para uma conversa sobre o projeto REACTING TO TIME — Portugueses na Performance.
Nos anos em torno da Revolução de 25 de Abril de 1974 uma dinâmica peculiar pautou a atividade artística portuguesa: num país fechado sobre si mesmo, fora dos circuitos e moldes convencionais de apresentação, um conjunto de eventos colocaram Portugal em sintonia com as questões e com as práticas que animavam a vanguarda artística internacional. O experimentalismo performativo dos anos 70 e 80 do século XX, onde o corpo assumiu um novo lugar na prática artística, atravessou as diferentes áreas artísticas, trazendo novas modalidades de composição, apresentação e experiência.
REACTING TO TIME – Portugueses na performance, procura atualizar a especificidade da memória corporal destas primeiras experiências. Aceder à origem dessa informação, atualizá-la pela transmissão da experiência direta e apresentá-la publicamente, são os objetivos deste projeto. Trata-se de constituir um arquivo vivo, tornado presente nos corpos. Vânia Rovisco desenvolve um trabalho de contextualização e de investigação e trabalha com os primeiros agentes da performance em Portugal, na atualização destes trabalhos inaugurais para posteriormente os transmitir. Trata-se de toda uma linhagem não transferida, um passado pouco ou nada presente.
MB#4OFF de Miguel Bonneville
2 junho, 18h
“MB#4 OFF é o reconhecimento de que não faria sentido voltar a apresentar a performance Miguel Bonneville #4 após a sua estreia. Tendo mais duas apresentações marcadas (tudo isto no final de 2007), decidi apresentá-la noutro formato – um formato que se aproximasse de uma palestra. Fazia mais sentido falar sobre o processo do que repeti-lo. O registo da performance é projectado atrás de mim, enquanto partilho as histórias que me levaram a criá-la e a não querer voltar a apresentá-la, abrindo um espaço confessional.”
Miguel Boneville
Ficha Técnica
Direcção e Interpretação Miguel Bonneville
Música Original e Sonoplastia BlackBambi
Assistência & Registo Documental Sofia Arriscado
Co-Produção Companhia de Dança de Évora e Câmara Municipal de Campo Maior
Notas Biográficas
Miguel Bonneville (Porto, 1985) introduz-nos a histórias autobiográficas centradas na desconstrução e reconstrução da identidade através de performances, desenhos, fotografias, vídeo, música e livros de artista. Desde 2003 tem apresentado o seu trabalho em galerias de arte e festivais nacionais e internacionais, sobretudo os projectos seriados Family Project, Miguel Bonneville e A Importância de Ser. Concluiu os cursos de Interpretação na Academia Contemporânea do Espectáculo (2000-2003), Artes Visuais na Fundação Calouste Gulbenkian (2006), Autobiografias, Histórias de Vida e Vidas de Artista no CIES-ISCTE (2008), Arquivo – Organização e Manutenção no Citeforma (2013), Costurar ideias na Magestil (2013), e Cyborgs, Sexo e Sociedade na FCSH (2016). Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (2011, 2012, 2017) e do Centro Nacional da Cultura – Jovens Criadores (2010). Fez parte do núcleo de artistas da produtora de dança contemporânea Eira (2004-2006) e da Galeria 3+1 Arte Contemporânea (2009-2013). Recebeu o Prémio Ex Aequo (2015) pelas performances Medo e Feminismos, em colaboração com Maria Gil, e A Importância de Ser Simone de Beauvoir. Foi artista residente no Sítio das Artes, CAMJAP – Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2007), Homesession (Barcelona, 2008), Mugatxoan – Fundação de Serralves (Porto, 2010), Festival Transeuropa2012 (Hildesheim, 2012), Arts Printing House (Vilnius, 2013), Arte y Desarrollo (Madrid, 2014), e La Box (Bourges, 2018), entre outros. Lecciona esporadicamente composição de performance autoral em diferentes estruturas nacionais e internacionais. É director artístico do Teatro do Silêncio.
Performance seguida de conversa com artista e Paula Caspão