Sofia Dinger

Em fevereiro o Espaço Alkantara volta a acolher Sofia Dinger para uma residência artística do projeto Sete dias, sete cartas; dois interlúdios; uma imagem: quatro estações.

"dia 1 - Lembrei-me de uma pessoa que conheci. Disse-me que trazia sempre uma chave no bolso, mesmo se não soubesse que coisa abria. O importante era tocar-lhe de cada vez que se sentisse só.

dia 2 - Primavera. Sou eu e estou aqui- disse em voz alta.

Interlúdio - já não tenho condições para ser aquela flor. O que acontece ao amor que os mortos sentiram por nós?

dia 3- Podia ter escolhido fazer o sudoku que está na outra face da página, mas preferi falar contigo. Escrever-te é uma forma de inventar-te.
dia 4 - O ziguezague de uma mosca que não nos irrite, na melhor das noites quentes .

dia 5 - A casa está muito mudada, agora que o Inverno chegou. Os dedos estão gelados e acho que isso passa para o texto. Alguém na rua grita por alguém.

dia 6 - céu limpo. Sinto alguma coisa, o que é sempre uma boa notícia. Esta voz na minha cabeça talvez seja a minha , por muito que não possa ter a certeza. pausa. Não é suposto demorarmos tão pouco tempo a atravessar meio mundo.

Interlúdio- ouvir rastos das conversas avulsas dos resistentes : um abraço, fico aqui mais um pouco.

dia 7- Fiz um corte no rosto. Agora, no lugar do antigo corte , vejo uma cicatriz. Quando me olho ao espelho, essa cicatriz é tudo o que eu vejo. Entretanto, penso em ti todos os dias . Um cão ladra : penso em ti. Uma nuvem muda : penso em ti. Um cigarro acende : penso em ti. Alguém canta : penso em ti. Escrever-te-ei isto daqui a alguns dias.

Uma imagem - Um velho homem de boné azul e casaco verde tropa, com as duas mãos em cima da mesa (e, por sua vez, uma em cima da outra), fala sem parar para o seu copo vazio, para as vozes da sua cabeça, para as presenças que só ele consegue ver, para as camadas de tempos sobrepostas que - assim - ele consegue furar. “Não é um qualquer”, disse ele, agora mesmo. Lá fora, folhas caídas."

Ficha Artística

Projecto de Sofia Dinger com a colaboração de Leonardo Mouramateus Produção Marta Moreira / Irreal Co-produção Teatro do Bairro Alto